Expert da indústria de cruzeiros marítimos, setor que embarcou no ano passado em todo mundo cerca de 23 milhões de passageiros, o publicitário paulistano Francisco Ancona participa ativamente da evolução do segmento de turismo nos últimos 35 anos.
Nesse período, ele perdeu a conta de quantas viagens de navio fez pela América do Sul, pelo Caribe e pela Europa, destinos que acompanha mais de perto, desenvolvendo projetos e campanhas de marketing.
Graduado pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) em 1980, Francisco é neto do jornalista Nicolau Ancona Lopez, que, nascido na Itália, imigrou para o Brasil na virada do século 19 para o século 20 –e logo se tornou redator do jornal “O Estado de S. Paulo”, onde permaneceu por quase 40 anos.
Seu filho mais velho, Vicente, seguiu a vocação de Nicolau e trabalhou no mesmo jornal, do qual saiu, em 1921, para colaborar na fundação da “Folha de S. Paulo”, onde secretariou a Redação e foi crítico de arte e teatro.
Já o pai de Francisco, jornalista de “A Gazeta”, foi um dos pioneiros da publicidade em São Paulo, atividade que o levou ao setor e, depois, à indústria do turismo, com maior foco nos cruzeiros.
Leia a seguir os principais trechos da sua entrevista a este blog da Folha.
NAVEGAR É PRECIOSO
Confesso algo curioso: nunca fiz uma viagem transatlântica, em tantos anos de serviços prestados na área.
Fiz inúmeras viagens marítimas, mas nunca embarquei numa travessia atlântica.
Quem sabe quando me aposentar…
E, desde o início, a Costa Cruzeiros foi o meu cliente do coração, aquele que acompanho desde o primneiro dia de minha vida profissional.
Conheci grandes profissionais entre os diretores, colaboradores e funcionários da empresa, no Brasil e em outros mercados.
Realmente, ainda no início do século 20, a família Costa tinha negócios na produção e exportação de óleo de oliva da Ligúria, região da Itália cuja capital é Gênova.
O início das operações com transporte de passageiros surgiu em 1948, quando foi implantada a linha regular entre a Europa e a América do Sul.
O primeiro navio a operar a rota foi o Anna C, que em março daquele ano partiu lotado de imigrantes de Gênova para Buenos Aires, escalando o Rio de Janeiro.
Em 68 anos de atividades, a Costa nunca deixou de enviar seus navios para o Brasil, algo muito significativo pois o mundo e nosso país passaram por diversas crises nesse período.
O Enrico C chegou em meados dos anos 1960, como o Eugenio C, que teve sua viagem inaugural em 1966 e por 30 anos consecutivos esteve em nossos portos.
A LINEA “C”
A fidelidade da Costa com o Brasil, onde por muito tempo era conhecida como Linea “C”, explica parte da identificação entre marca e mercado.
Outra forte razão do vínculo estreito é a famosa qualidade do produto Costa, que sempre teve como base a gastronomia e a ênfase no entretenimento (shows, música, animação).
Hoje, com a potencialização do melhor da Itália, que é sintetizada no conceito “Italy´s finest”, adotado pela empresa, essa sinergia se reforça ainda mais e junto a novas gerações de consumidores.
A Costa atualmente tem 15 navios em operação, além de mais quatro em construção.
É uma empresa global, com forte presença no Mediterrâneo, Norte Europeu, América do Sul, Caribe, China e Oriente, Emirados Árabes.
A companhia Carnival Cruises adquiriu a empresa familiar em 1997, e desde então, a Costa tem tido suas raízes italianas cada vez mais valorizadas.
CRISE E CRUZEIROS NO BRASIL
Os brasileiros são muito relevantes no período do verão (de dezembro a março), quando a Costa Cruzeiros e outras empresas operam cruzeiros na América do Sul.
Além de dezenas de milhares de hóspedes na costa brasileira, tem aumentado de forma expressiva a quantidade de brasileiros que fazem cruzeiros nos navios da Costa que operam no exterior, em especial no Caribe e na Europa.
Há alguns anos, a operação no Brasil chegou a ter quatro navios da marca Costa, sempre com altos índices de ocupação.
No entanto, as dificuldades ligadas às condições de operação nos portos e aos custos locais fizeram com que todas as empresas que operavam em nosso litoral redimensionassem seus projetos.
Infelizmente, hoje poucos transatlânticos de grandes empresas internacionais permanecem em nossas águas. Uma pena ver que criou-se um mercado importante, e que o mesmo está minguando.
Nosso país poderia se beneficiar muito mais com as oportunidades de trabalho e riqueza que os navios de cruzeiro proporcionam.
VOLTA AO MUNDO LUMINOSA
Hoje, a crise está aí e não parece fácil reverter essa tendência, mas nossa economia é dinâmica –e as mudanças necessárias sempre poderão acontecer, desde que haja uma nova visão por parte das entidades e autoridades que regulamentam o setor.
Temos que confiar de que novos horizontes e estratégias surjam, pois os navios sempre encontrarão novos mercados para operar – há “cases” internacionais que demonstram isso, como o Oriente, o Índico, os Emirados Árabes, que têm atraído as grandes companhias.
A volta ao mundo que o Costa Luminosa fará em 2017, zarpando do Rio de Janeiro no dia 27 de janeiro e navegando por 88 noites, é uma oportunidade que devemos aproveitar, pois trará mais de 2.000 estrangeiros para visitar nossos portos.
A longa viagem se encerra na Itália, no porto de Savona, depois de cruzar o Atlântico e o Pacífico.
O Brasil precisa se manter inserido no contexto da indústria dos cruzeiros marítimos, com tantos atrativos históricos e naturais.
O MERCADO CHINÊS
O governo chinês abriu as portas para os cruzeiros há cerca de dez anos, e a Costa foi pioneira em programar transatlânticos de passageiros para aquela região.
Foi feito um trabalho visando longo prazo, que acabou trazendo excelentes resultados e acabou atraindo outras grandes empresas internacionais.
Isso desenvolveu o turismo de cruzeiro, o receptivo nos portos, o comércio e até estaleiros navais para a construção e manutenção dos transatlânticos.
Atualmente, o Costa Victoria, o Costa Serena, o Costa Atlantica e o Costa neoRomantica estão dedicados àquele mercado –e dois super navios estão em construção para atender a China até 2020.
Os hóspedes locais têm hábitos diferentes que os ocidentais, levando a companhia a promover adaptações no produto oferecido a bordo.
O negócio dos cruzeiros exige jogo de cintura e a Costa têm em seu DNA esta característica, o que a faz encontrar oportunidades como foi essa.
O FUTURO DOS CRUZEIROS
O segmento dos cruzeiros marítimos oferece produtos para todos os perfis de hóspedes: jovens, casais com filhos, seniores, empresas que realizam eventos e convenções.
O campo é amplo e há inúmeras oportunidades para o trade turístico fazer bons negócios.
As reservas através da internet tendem a crescer, mas há espaço para operadoras e agências de viagens convencionais para também aumentar sua participação na venda de cabines.
Os grupo familiares e de afinidade, por exemplo, são casos típicos em que um agente “off-line” pode prestar serviços diferenciados.
Há formas de atender que agradam uma grande parcela da clientela dos navios, os agentes atentos saberão identificá-las.
MEMÓRIAS DE VIAJANTE
Não saberia responder a quantas viagens de navio já fiz, foram centenas.
Profissionalmente, acompanhei com certeza mais de 150 eventos a bordo, entre produção de campanhas publicitárias, cruzeiros temáticos, viagens de familiarização, entre outros eventos.
Pessoalmente, lembro com carinho das primeiras, em família, ainda criança e adolescente, com meus pais e irmãos.
Duas em especial: a bordo do Anna C, em 1971, para a Terra do Fogo, e do Andrea C, em 1975, para Manaus. Lembro também de escalas maravilhosas nas viagens profissionais, caso do Egito, da Croácia, de Kottor (navegando por um fiorde na região do Montenegro), de Gibraltar e da Grécia.
O embarque no velho porto de Gênova também é marcante.
Vivenciar um cruzeiro cada um tem sua maneira, o navio oferece muitas oportunidades.
A minha é estreitar amizades –e bater um bom papo na mesa do restaurante, em prazerosos almoços e jantares. A vida a bordo é sempre boa desde que estejamos predispostos a aproveitar o conforto que o transatlântico oferece, sem dar importância às limitações que qualquer lugar do mundo oferece.
PRÓXIMO DESTINO?
Meu próximo cruzeiro deve ser pelo Mediterrâneo, em novembro de 2016, a bordo do Costa Diadema, cuidando da operação de um inédito projeto temático: o primeiro que realizaremos na Europa, com um grupo de hóspedes e protagonistas brasileiros.
Acabo de regressar de breve estada na Itália, onde sempre renovo forças e reciclo idéias. Roma é minha usina pessoal.
No Brasil, gosto muito do Recife e de sua gente criativa e talentosa.
O misticismo de Salvador também me atrai muito.
E o Rio de Janeiro, onde morei na virada dos anos 1960/70, me marcou.
Mas se tem um destino que me encanta, é a Ilhabela –e me orgulho de ter participado de sua inclusão no mapa dos cruzeiros na costa brasileira, em 1995.
Em Santa Catarina, entre as várais praias, gosto de Imbituba.
Já no “país Rio Grande do Sul”, curto o orgulho dos gaúchos, a beleza da Serra, o chimarrão em Venâncio Aires e Lajeado.
VIAJAR COMO NECESSIDADE
Quando entrei no mercado publicitário, viajar ainda era quase um artigo de luxo.
Pouco tempo depois, tornou-se um hábito recorrente.
Hoje, é artigo de primeira necessidade.
O turismo se segmentou e se tornou potencialmente uma das maiores indústrias do planeta, sem limitações de idade e até de poder de consumo.
Em nossos dias, há viagens para crianças e para a maturidade, para todos os bolsos, sem limitações.
Isso é maravilhoso e promissor.
Tenho a sensação que tive muita sorte e que fiz a escolha certa. Nessa ordem.