Placas registram memórias em Londres e em Roma

Por Silvio Cioffi

Registrando fatos alegres ou tristes, as placas com informações históricas humanizam as cidades –e, não por acaso, Londres e Roma, cada uma a seu modo, se valem desse importante expediente civilizatório.

E, curiosamente, enquanto o programa de placas azuis (“blue plaques”) completa 150 anos na capital do Reino Unido, na capital da Itália, há plaquetas de metal que registram o dia amargo em que os judeus romanos foram arrancados de suas casas pelas tropas nazistas e que remetem à um fato muito triste, ocorrido 73 anos atrás.

Em Londres, as placas azuis com letras brancas registram o período em que personagens notáveis habitaram determinado prédio e, pregadas, nas fachadas, preservam a memória de uma metrópole cosmopolita que a tantos deu abrigo e até exílio.

Já em Roma, as discretas plaquetas cimentadas na soleira de entrada de alguns prédios são discretas, quase fúnebres, mas igualmente importantes.

Elas aludem a um momento de luto na história da capital italiana que, registrado também em uma grande placa instalada ao lado do museu judaico, dá conta de que, no dia 16 de outubro de 1943, 1259 judeus romanos foram detidos apenas no bairro do Trastevere (eram eles 689 mulheres, 363 homens e 207 crianças).

O terror, para os cidadãos que moravam no Ghetto romano, teve início às 5h30 da manhã num sábado, dia sagrado para os judeus.

Poucas horas depois, às 14h, a tropa da SS comandada pelo tenente-coronel alemão Herbert Kappler já havia covardemente concluído todas as prisões.

Apenas 16 desses habitantes do Ghetto voltaram vivos de Auschwitz: quinze homens e uma mulher, Settima Spizzichino, que viveu até o ano 2000 para narrar o horror de uma das páginas mais infames da Humanidade.

Nenhuma criança sobreviveu.

Placa azul registra local relacionado ao líder britânico Winston Churchill
Placa azul registra local relacionado ao líder britânico Winston Churchill

AS FESTIVAS PLACAS DE LONDRES

Facilmente identificados por sua forma ovalada, com fundo azul e letras brancas, os sinais londrinos são parte de um dos mais significativos projetos sistemáticos de preservação da memória dos viventes.

Na capital do Reino Unido, as 900 placas azuis que contam um pouco da história da estada em Londres de inúmeras personalidades de todo o mundo –de escritores e filósofos a políticos, de atletas a personalidades das artes, passando por espiões de guerra e cientistas– encantam o visitante.

E assim, caminhando pela metrópole, é possível descobrir que o escritor Ian Flemming, que deu vida ao personagem James Bond, morou em determinado lugar.

Já o autor de Peter Pan, James Matthew Barrie, que viveu em várias casas ao redor dos jardins de Kensington, é lembrado por um desses sinais em Bayswater, num prédio algo moderno que dista alguns passos do portão ao norte desse parque, o Lancaster Gate.

A lista dos personagens homenageados com a placa azul londrina teve início com Napoleão 3º, cuja placa, ainda original, foi colada na parede de sua casa, em Baker Street, em 1897.

Entre os escritores e pensadores do grupo literário de Bloomsbury, descobre-se que a romancista Virginia Woolf viveu em 29 Fitzroy Square, num local em que diversos escritores se reuniam.

Não muito distante, o caminhante atento vai achar, por exemplo, as casas em que moraram o pintor e poeta Dante Gabriel Rosetti e o cientista Charles Darwin.

Já a placa do escritor Charles Dickens fica na 48 Doughty Street, no bairro de Holborn.

AS TRISTES PLAQUETAS DE ROMA

Em Roma, quem visita hoje o simpático bairro de Trastevere, também conhecido como Ghetto, próximo de uma curva do rio Tibre, nota que há restaurantes típicos, caso do Da Giggetto e do judaico Piperno, açougues “kosher” e padarias que fazem o chalá, o pão trançado típico dos judeus.

Autêntico e relativamente pouco explorado, longe das hordas de turistas, o bairro tem ainda locais agradáveis como a Piazza Farnese, ruas com pouco trânsito e um singelo centro de informações turísticas.

Hoje, quem visita o Trastevere, se diverte ao se deparar com sobrenomes que, familiares, também podem ser encontrados entre brasileiros de origem italiana, tais como Funaro, Di Castro, Di Porto, Fiorentini, Della Rocca, Del Vecchio, Finzi, Gentili, Milano, Milani, Greco, Mieli etc.

Mas a história da deportação dos judeus romanos, ocorrida em 1943, é sombria –e, registrada em placas artesanais, precisa ser lembrada para que nunca mais se repita.

Descerrada em 25 de outubro de 1963, ao lado do museu judaico, uma grande placa de mámore faz o visitante pensar –e entristece.

No Ghetto de Roma, placa de mármore conta a história da deportação dos judeus do bairro em 1943
No Ghetto de Roma, placa de mármore conta a história da deportação dos judeus do bairro em 1943

 

Aqui teve início a caça aos 2091 cidadãos judeus romanos que foram sequestrados e mortos nos campos de extermínios nazistas, vítimas do infame ódio de raça, revela a placa, que registra ainda que “os poucos que escaparam, invocam a Deus o perdão e a esperança.”

JUDEUS E (MUITO) ROMANOS

Há quem afirme que é impossível ir a Roma e não visitar uma igreja e, aliás, no antigo Ghetto, a despeito da influência judaica ancestral, além da basílica de Santa Maria in Trastevere, há outros seis templos católicos.

Roma é, afinal, a metrópole que encerra o Estado do Vaticano, que tem no papa o seu morador mais ilustre.

E, não muito longe do Vaticano, a centenária Sinagoga Romana, próxima do rio Tibre e marcando um dos limites do Trastevere, até parece um teatro de ópera –e não destoa da paisagem.

A presença dos judeus em Roma é milenar e a primeira notícia dessa comunidade, que veio originalmente da Judéia, data do ano 161 a.C.

Nos anos seguintes, mais judeus vindos de Alexandria e das ilhas gregas foram morar em Roma e, também, em algumas regiões do sul da Itália.

O Trastevere foi o primeiro bairro ocupado por eles, fazendo com que a comunidade judaica de Roma se tornasse conhecida como uma das mais antigas do Ocidente.

Em meados dos anos 1500, quando se formou o Ghetto de Veneza, abrigando primeiramente os judeus sefaraditas que escapavam da Inquisição na Península Ibérica, o Trastevere também foi totalmente fechado por muros quando o papa Paulo 4° revogou os direitos dos judeus romanos.

O confinamento dos judeus no Ghetto de Roma foi finalmente abolido em 1870; coube a um oficial judeu-italiano nascido no Piemonte a honra de comandar a bateria de canhões que abriu uma brecha na muralha que cercava esse bairro que, implacável, tem muitas histórias tristes e outras muito alegres para contar.