Somos todos (um pouco) ciganos?

Por Silvio Cioffi

O que possivelmente teriam em comum os ex-presidentes brasileiros Juscelino Kubitschek e Washington Luiz, os músicos Djavan e Elvis Presley, o comediante e deputado Tiririca e os atores Procópio e Bibi Ferreira? A resposta bem que poderia ser: suas origens ciganas.

Vítimas meio que esquecidas da história mundial, os ciganos têm uma trajetória difícil de precisar e, até nossos dias, são um povo predominantemente nômade, cuja cultura, ancestral, sempre esteve envolta em mistérios.

Como tradicionalmente não tinham escrita própria, as comunidades ciganas espelhavam a cultura dos países por onde, em regime de diáspora, passavam a viver.

No Brasil, os cidadãos de origem cigana devem ser mais de 800.000 pessoas, de acordo com o censo do IBGE de 2010.

Para a estudiosa estudiosa Márcia Yáskara Guelpa, que também cita o último censo do IBGE, ha comunidades ciganas em 291 cidades de todas as regiões brasileiras.  Segundo disse ela, em entrevista realizada juntamente com jornalista Olívia de Freitas, também repórter desta Folha, em apenas 10% desses municípios existem áreas públicas para acampamentos ciganos.

Por motivos diversos que vão do preconceito à ignorância com relação à sua rica e enigmática cultura, ainda é difícil em nosso país identificar com segurança e sem caricaturas quais brasileiros ilustres teriam realmente essa ascendência.

Muito recentemente, no dia 8 de abril, foi comemorado no mundo o dia internacional dos ciganos rom (ou roma, no plural), que possivelmente têm sua origem na Índia e que falam o romani. Mais numerosos e normalmente habitando a Europa centro-oriental, esses ciganos, cuja diáspora deve ter começado há 1500 anos, foram, como os judeus do Velho Continente, perseguidos e mortos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

De acordo com a etimologia do termo em inglês “gypsy”, os ciganos seriam originários do Egito (“Egyptians”), mas, ao que parece havia na Grécia antiga uma região chamada Pequeno Egito.

Já no tempo em que os ciganos passaram a habitar o território europeu, vale mencionar o grupo dos sinti, encontrados na Alemanha e em regiões da Itália e da França. E também os caló, cuja origem mais recente está ligada à Península Ibérica.

Outro grupo a lembrar, os romnichals, que habitavam a Inglaterra, parecem ter dado origem a norte-americanos como o mencionado Elvis Presley.

 

POPULAÇÃO DIZIMADA

 

Fontes demográficas oficiais, estimam que hoje os habitantes de origem cigana sejam 1 milhão de pessoas nos EUA; 650.000 na Espanha; 535.00 na Romênia, 500.000 na França; 370.000 na Bulgária; 205.000 na Hungria ; 200.000 na Grécia e 90.000 no Reino Unido.

Antes da Segunda Guerra, acredita-se que aproximadamente um milhão de ciganos da etnia rom viviam na Europa e, estima-se, que 220.000 deles –ou mais, até meio milhão de pessoas– tenham sido dizimados pelo nazi-fascismo durante o conflito.

Somente em 1979, o parlamento da Alemanha reconheceu que a perseguição e as atrocidades contra os ciganos teve motivo racial, como também a dos judeus. Vale lembrar que homossexuais e comunistas também foram mortos durante o odioso regime de Adolf Hitler.

Passados 70 anos do fim da guerra, na Europa de hoje a discriminação contra os ciganos lamentavelmente ainda é muito presente por lá.

Recentemente, um deputado e prefeito francês foi condenado pelo Tribunal de Apelação de Angers a pagar € 3 mil de multa por ter dito que Hitler “talvez não tenha matado ciganos o suficiente”.

O político, ex-membro do partido centrista UDI, já havia sido condenado por declarações semelhantes quando repreendeu os ocupantes de 150 caravanas instaladas sem permissão numa área agrícola em sua cidade.

Antes dele, o então presidente francês Nicolas Sarkozy implementou uma política de expulsão em massa de ciganos do país.

Na Itália, a situação de discriminação não é diferente da francesa e há, constantemente, uma grita de comerciantes contra indivíduos identificados com a delinquência contra turistas.

O papa Francisco afirmou, num evento que teve lugar no Vaticano e que contou com a presença de povos nômades, que “o povo cigano deve ser chamado a contribuir ao bem-comum, mas afirmou que “isso só é possível por meio da responsabilidade compartilhada, observando os deveres e promovendo os direitos de cada um”.

 

ANVERSO DA MOEDA

 

Mesmo na Europa, onde a maior parte dos ciganos vive em acampamentos pobres ao redor das cidades, há, desde 2005, uma iniciativa articulada de vários governos chamada de  “Década de Inclusão dos Ciganos” que tem como objetivo buscar eliminar a discriminação e construir compromissos.

Povo que por não ter escrita própria e que consequentemente é apegado à tradição oral, à quiromancia e que eventualmente esteve identificado, no passado, com as grandes caravanas circenses, os ciganos até há pouco não tinham nem documentos e nem tampouco acesso às políticas públicas nos Estados nacionais em que habitavam.

Trazer à luz os exemplos de pessoas de origem cigana que mudaram o curso da história e da cultura brasileiras pode ser um bom recomeço.

O Brasil, na sua melhor tradição de generosidade e tolerância, abriga e acolhe povos e imigrantes de qualquer origem.

Quantos de nós não somos descendentes de pessoas que fugiram da perseguição racial e/ou religiosa e cujas famílias encontraram por aqui um solo fértil para recomeçar e progredir?